Tava na Indonésia outros tempos, em Sumatra na cidade de Padang (não confundir com a praia de Padang-Padang em Bali) esperando pra embarcar num barco pra ir pras Mentawai. Ia ter que passar uma noite por lá, e ficar um total de umas 38 horas até a hora do embarque. Eu tava no aeroporto ainda vendo táxi, quando apareceu esse indonésio, absurdamente ligeiro, que tava levando um grupo de australianos do aeroporto até o barco deles, e me ofereceu carona junto com eles por 20 dólares. Depois descobri que essa viagem dificilmente valia mais que 10 dólares. Ele me deu uma dica boa de hotel por lá. Simples barato sem (nenhuma) pompa e extremamanente amigável.
Ele apareceu algumas vezes por lá nessas 38 horas - eu era cliente em potencial -, ou talvez nem tenha se desgrudado dali. Conversamo bastante. Ele trabalhava com esses barcos que levam a galera pra surfar nas ilhas pra fora dali, Padang é local de partida pra essas viagens. Me fez muitas perguntas de quanto eu tinha pagado pelo meu barco e tudo mais. Mostrou o lugar em volta e insistia na idéia de que ele era um excelente anfitrião, melhor que o que tinha me vendido minha trip de barco, pq "o cara que te vendeu tua trip não foi te pegar no aeroporto.. Ele queria te colocar num hotel caro, ele é um prego, não conhece Padang... Blá blá blá, mas é um bom amigo meu", e essas coisas. Certamente um cara inofensivo, mas uma mala inexplicável. Me deu umas dicas de restaurantes bons por lá: comida que aqui em Porto Alegre tu paga entre R$50,0 e R$100,0 o prato lá tu comia por menos de cinco dólares (50,000 Rúpias).
Ele se auto-denominava Hunting, dizia ele: "Hunting Mentawai, Hunting Money, Hunting Women, Hunting Tourist".
No meio das conversas ele me falou que o banheiro dele era um córrego do lado da casa dele, pra cagar e pra tomar banho. "How bizarre.", eu pensei - embora ele não fedesse, na minha cabeça esse córrego devia obviamente ser um daqueles esgotos que corre pela rua a céu aberto ali em Padang, era o lógico a se pensar. A austríaca que de vez em quando tava com a gente pensou a mesma coisa, pq a gente se entreolhou com a mesma cara quando ele falou isso. Depois a gente tava na ala de convivência do hotel, e ele disse "ah! Minha casa se parece com a daquele quadro ali na parede". Eu olhei e o quadro era uma pintura de um lugar idílico, uma cabaninha com um riozinho numa planície de grama com umas árvores e um bosque. =O no fucking way! Fazia sentido, ele vivia há duas horas da onde a gente tava. Como não tinha civilização rio acima desse lugar, dava pra beber água do rio. E ele era, financeiramente, miserável. Me contou que quando o pai dele morreu de câncer do pulmão por fumar demais, ele fazia "bloojobs" (boquete, naquele sotaque indonésio) pra gringos pra conseguir levar comida pra mãe dele e pros oito irmãos mais novos dele. "Que idade tu tinha", eu perguntei. Ele pensou um pouco e disse "dezesseis". O impressionante é que falou isso com uma naturalidade sem rescentimentos. E disse "mas agora eu não preciso mais fazer isso, porque tem bastante trabalho pra mim nesses barcos.". Além disso ele agora fazia um curso de programação em Java (uma das linguagens de programação mais utilizadas em aparelhos de toda sorte, desde a Mars Pathfinder até torradeiras e geladeiras (sério), passando por servidores e aparelhos celulares, só iPad e iPhone que não usam). Eu confirmo que isso é verdade, porque também programo Java e conversei com ele sobre a linguagem, e de fato ele conhece bem. E em todo esse papo, em momento nenhum, eu vi SEQUER UMA MANIFESTAÇÃO DE AUTO-PIEDADE OU QUALQUER RECLAMAÇÃO DE QUALQUER SORTE vinda dele.Aliás minto: ele reclamava que a namorada dele não queria fazer "bloojobs" nele, e ele não conseguia entender por que não e isso parecia deixar ele um pouco frustrado. Fora isso, um cara preocupado unicamente com a tarefa de levar pão pros 8 irmãos dele. Ele era muçulmano, como toda ilha de Sumatra e praticamente toda Indonésia, com excessão de Bali e algumas outras ilhas eu acho. Ele dizia: "pois é, eu deveria rezar mais, mas eu so muito preguiçoso...".
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...on to some other universe
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Deus é um cara misterioso.
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